Duas possíveis mudanças no modelo de crédito, ventiladas pelo Banco Central (Bacen) e pelo ambiente político em Brasília, vêm rendendo um debate acalorado no Brasil: a redução dos juros do crédito rotativo e a limitação do parcelamento sem juros, ou até mesmo o fim de ambas as modalidades. As medidas que vêm sendo discutidas foram apresentadas como formas de dar mais segurança financeira para os consumidores, reduzindo a carga sobre quem mais acumula dívidas no uso dos cartões de crédito. 

No entanto, segmentos envolvidos nesses debates têm posições diferentes. O setor financeiro, por exemplo, vê com bons olhos medidas como aumentar tarifas sobre o parcelamento sem juros, mas é contra uma extinção brusca do rotativo – o que impactaria suas receitas derivadas dessa cobrança; por outro lado, o varejo e o setor de adquirência são a favor de medidas que estimulem o consumo, como manter o parcelado sem juros e limitar o rotativo; já o Bacen e o governo querem limitar o estímulo ao rotativo para evitar “bolas de neve” de endividamento na população. 

Mas, afinal, como estas discussões impactam tanto os consumidores quanto o setor financeiro?

Entendendo as mudanças propostas para o rotativo e o parcelamento do crédito

As duas possíveis medidas começaram a ser discutidas em agosto de 2023 não só no Banco Central, mas também no Congresso e na imprensa. Elas abrangem mudanças dos juros no crédito, principalmente duas:

  • A redução dos juros do crédito rotativo (ou até mesmo o fim da modalidade): A linha de financiamento mais cara do país, que é acionada quando uma fatura no crédito só é paga parcialmente, é alvo de propostas do Bacen e no Congresso para reduzir suas cobranças ou até mesmo extinguir o modelo como um todo. O motivo? Seus juros médios giram em torno de 437% ao ano, mas podem chegar a quase 1.000% em algumas instituições financeiras. Hoje, muitos brasileiros acumulam dívidas pesadas ao recorrer ao rotativo e ficam inadimplentes;
  • A limitação do parcelamento sem juros (ou até mesmo sua extinção): O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, tem ventilado a possibilidade de limitar ou vetar o parcelamento de compras em até 13 parcelas sem juros – prática que, segundo ele, seria uma das razões que fazem as cobranças do crédito rotativo serem tão altas. De acordo com a visão do Bacen, este tipo de parcelamento é o fator principal que leva o consumidor a perder o controle de suas próprias finanças e se endividar usando cartões de crédito, entrando no rotativo. Embora nenhuma medida tenha sido levada adiante até o momento, já são debatidos diferentes modelos que poderiam limitar ou substituir o parcelamento sem juros. E vale lembrar: o Brasil é um dos poucos países em que o parcelamento sem juros existe e é regulado por seu Banco Central.

Por que rotativo e parcelamento sem juros foram colocados na mesma discussão?

A exemplo do comentário de Campos Neto, que vê o parcelamento sem juros como causa do encarecimento nos valores do rotativo, as discussões recentes em Brasília têm colocado os temas lado a lado. Tudo começou com o questionamento de diferentes setores da economia ao rotativo, que vem gerando recordes de endividamento entre os brasileiros. Neste sentido, uma proposta dentro do Congresso levou a questão para ser discutida como parte do recém-lançado programa Desenrola. A ideia do programa, e consequentemente o que levou às discussões, é reduzir a inadimplência dos brasileiros de menor renda – grande parte destes inadimplentes são justamente pessoas que sofrem com dívidas na modalidade do rotativo (que no país tem as maiores taxas de todo o mundo).

Como explica a Folha de S.Paulo, o rotativo e o parcelado são produtos oferecidos por instituições financeiras e cumprem, cada um, uma função. Caso o rotativo seja extinto, o parcelamento sem juros precisaria ser redesenhado como uma forma de compensação pela perda de arrecadação.

Enquanto bancos e instituições financeiras maiores têm defendido o rotativo como uma forma de subsidiar o parcelamento sem juros, instituições como as fintechs e as adquirentes (empresas que oferecem as famosas maquininhas) são contra impor limitações a esta prática, assim como o varejo – que afirma que uma decisão do tipo desestimularia o consumo e enfraqueceria a economia.

Rotativo: seu impacto e importância para consumidores, varejistas e o setor financeiro

O rotativo é um tipo de crédito pré-aprovado que é acionado quando o cliente paga apenas um valor parcial da fatura do cartão até a data de vencimento. É uma linha emergencial, na qual o cliente pode ficar por no máximo 30 dias. Desde 2017, instituições financeiras são obrigadas, após este prazo, a migrar esta dívida para um crédito parcelado, o parcelamento compulsório, que tem juros mais baixos.

Com o aumento de 108% no uso do rotativo em três anos, a inadimplência na modalidade chegou a alcançar o recorde de 53% em maio. Desde então, o rotativo vem sendo questionado entre políticos e decisores econômicos no Brasil. Hoje, são duas as principais propostas de mudança:

  • Limitar os juros da modalidade: na Câmara dos Deputados, a proposta, no âmbito do Desenrola, prevê que o Conselho Monetário Nacional (CMN) estabeleça um teto limite para sua cobrança. O projeto propõe um prazo para que o segmento bancário se autorregulamente para abaixar os juros – caso contrário, o rotativo ficaria limitado ao mesmo patamar do cheque especial, que tem taxa anual máxima de 151,8%. O Bacen propõe, nesta mesma linha, limitá-lo a uma tarifa mensal de 9%;
  • Extingui-lo: enquanto isso, o presidente do Bacen, Roberto Campos Neto, sinalizou em agosto que a extinção da modalidade era uma possibilidade para frear o saldo devedor dos brasileiros que usam crédito e perdem o controle da própria fatura.

Quem pode ser impactado por mudanças no rotativo

Segundo analistas, o problema do rotativo apontado pelo Bacen e por políticos é justamente sua relação direta com a incapacidade de pagar dívidas, que vão se acumulando. Além disso, a inadimplência e o endividamento atingem mais forte os brasileiros mais pobres. Com juros menores, o panorama para os consumidores é positivo: é esperado que a inadimplência diminua, uma vez que taxas menores evitam a “bola de neve” de dívidas em aberto na modalidade, e o consumo fique aquecido.

Por outro lado, quem se posiciona com receio sobre uma eventual decisão não pactuada sobre o tema são representantes do setor financeiro. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), a proposta de tabelar juros do rotativo entra em conflito com a própria gestão de risco dos bancos e pode fragilizar o setor. Segundo Ricardo Vieira, vice-presidente da Abecs, “se o juro for para 1%, e o risco do cliente for acima dessa taxa, o emissor vai cortar o crédito dessa pessoa, já que ninguém é obrigado a trabalhar em prejuízo”.

Os bancos são apontados como os principais afetados por uma possível extinção do rotativo e a migração da dívida para uma modalidade que possui juros menores. Muitas instituições de pagamento, como fintechs, apontam que possibilitar portabilidade da dívida no rotativo poderia ser uma medida que alivie os endividados e permita reduzir a carga de juros acumulada. Em outra frente, uma proposta recente dos bancos de aumentar a tarifa de intercâmbio dos cartões para compras com parcelamento acima de 6 vezes é vista pelo varejo como fonte de potenciais repasses e aumentos de custos aos consumidores.

E a redução ou o fim do parcelamento sem juros: o que está por trás do debate?

Em meio ao tema do rotativo, o parcelamento sem juros entrou na discussão. Como a gente contou acima, o Bacen e muitos bancos veem esta prática como encorajando o consumo por parte de quem não tem recursos suficientes.

Neste modelo, um merchant (comerciante) não recebe de imediato todo o valor da compra. Funciona assim:

  • O custo da venda é pago de acordo com a quantidade de parcelas da venda; 
  • Como alternativa para receber o valor integral, o merchant pode pagar uma taxa de desconto pela antecipação junto às adquirentes;
  • Com isso, o valor final de uma compra no parcelamento sem juros carrega custos extras embutidos que são repassados indiretamente – um mecanismo que, como explica a Folha de S.Paulo, “fica mais claro quando um estabelecimento oferece ao cliente desconto no pagamento à vista como alternativa”.

Antes, para entender melhor quem está envolvido neste debate, vale relembrar como funciona o modelo de cartões de crédito e quem é quem dentro dele:

Quem é quem nos negócios com cartões (fonte: Pomelo)

 

Até o momento, nenhuma proposta formal de mudança na modalidade foi enviada pelo Bacen, pelo governo ou pelo Congresso. Mas, dentre as propostas para mudar o formato, têm sido debatidas alternativas como:

  • Algum tipo de aumento da tarifa de intercâmbio para a opção pelo parcelamento sem juros;
  • Condicionar esta modalidade aos tipos de bem de consumo: durável, semi ou não durável, medida que estaria alinhada ao grau de necessidades dos consumidores. Por exemplo, um eletrodoméstico poderia ser vendido através de um maior número de parcelas livres de juros do que uma peça de roupa.

Quem pode ser impactado por uma limitação ao parcelamento sem juros

Em um cenário de redução ou fim do parcelado sem juros, os bancos emissores de cartões poderiam se beneficiar na margem de lucro por conta do potencial aumento da tarifa de intercâmbio. Por outro lado, os varejistas e as adquirentes são apontados como os principais afetados. Afinal, os merchants usam esta flexibilidade para atrair clientes, enquanto as maquininhas se beneficiam porque cobram pela antecipação de recebíveis através das taxas de desconto. E os próprios consumidores sentem que uma mudança poderia ser problemática: em uma nova pesquisa, 80% dos entrevistados pelo Instituto Locomotiva disseram que acumulariam mais dívidas se o parcelado sem juros deixasse de existir.

Algumas das principais críticas à limitação do modelo são de que um eventual aumento dos custos no parcelado sem juros desaqueceria a economia: associações que representam as adquirentes afirmam que atingir a modalidade prejudicaria as vendas; federações de comércio criticaram a proposta de segmentar a quantidade limite de parcelas por tipo de bem de consumo. Por outro lado, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) afirmou que o setor não prevê uma “ruptura do produto”, apenas eventuais ajustes para diluir os riscos de crédito no setor.

O que fazer diante deste cenário

Para quem trabalha com serviços de crédito, antecipar eventuais movimentos no mercado de crédito pode ser uma medida oportuna para oferecer alternativas aos clientes que não gerem juros impagáveis. Flexibilidade ao oferecer soluções de empréstimos, financiamento e outras formas de crédito é essencial para garantir uma boa relação com os consumidores e não incorrer em riscos de crédito. 

E, ainda no tema das soluções soluções de crédito, as mudanças atualmente em debate sobre rotativo e parcelado aparecem como uma oportunidade de reforçar o modelo de negócios das fintechs. Como conta nosso Diretor de Produtos no Brasil, Bruno Martucci, este segmento oferece soluções que podem ajudar os consumidores a se prevenirem de endividamento e manter um padrão de consumo saudável nos clientes.

 

A pressão pelo ajuste dos juros caminha junto a um mercado com cada vez mais fintechs. Isso pode significar, primeiro, mais acesso a crédito com redução de custos. E quando você considera neste contexto evoluções como o Open Finance, que permite cenários como fazer uma compra com um cartão X, parcelar a fatura e posteriormente migrar a dívida para outra instituição, isso traz ainda mais flexibilidade e economia.

Bruno Martucci, Diretor de Produtos da Pomelo para o Brasil

 

E, segundo Martucci, uma questão-chave neste caminho é ajudar a educar o consumidor:

 

Para os diferentes players envolvidos, é essencial apostar na educação financeira dos usuários como forma de complementar as soluções financeiras oferecidas aos clientes.

Bruno Martucci, Diretor de Produtos da Pomelo para o Brasil

 

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  • Breno Salvador

    Jornalista e mestre em Relações Internacionais, foi repórter, redator, produtor e pesquisador antes de se juntar ao nosso time de Marketing. Curioso e brincalhão, diz que é uma esponja: aonde vai, gosta de absorver de tudo, aprendendo e vivenciando o que cada lugar tem de único. Adora música, livros, cozinhar, futebol e tênis.

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